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Democratização da Internet

Unidade Temática I
Democratização da Internet

Por Vitor Malaggi

Um dos discursos mais comuns atualmente, quando se fala de tecnologias, é de que seria inevitável para qualquer cidadão do século XXI saber mexer com computadores, celulares e a Internet. Enfim, conseguir transitar neste mundo tecnológico e, principalmente, saber utilizar estes conhecimentos em diferentes âmbitos da vida, tornou-se uma ​ necessidade socialmente imposta ​ aqueles(as) que não desejam “ficar para trás”.

Contudo, esta premência pela inclusão digital, vista como forma de abranger socialmente diferentes sujeitos que estão à margem dos processos da cultura digital, possui diversas contradições que merecem ser discutidas.

Por um lado, persiste ainda no Brasil um grande contingente de pessoas negadas do direito de ter acesso a estas tecnologias. Comprar um computador e manter um serviço de conexão à Internet é, para muitos, um privilégio difícil de ser conquistado. Segundo dados da pesquisa TIC Domicílios 2017,
A proporção de domicílios com acesso à Internet no país chegou a 61%, uma estimativa de cerca de 42,1 milhões de domicílios, o que representa um aumento de sete pontos em relação ao percentual observado em 2016. Apesar do crescimento da quantidade de domicílios conectados, as desigualdades regionais e socioeconômicas persistem em níveis semelhantes, ​ com maiores percentuais de domicílios conectados em áreas urbanas (65%) e nas classes A (99%) e B (93%), frente a percentuais ainda reduzidos entre domicílios de áreas rurais (34%) e classes DE (30%).
Ou seja: no Brasil, quanto mais citadina e rica for a pessoa, maiores são as suas chances de possuir um bom acesso à Internet em sua casa. Ainda, a pesquisa TIC Domicílios 2017 traz dados que mostram que esta desigualdade se reproduz entre as diferentes regiões do país - Sul e Sudeste são mais privilegiadas; Norte e Nordeste, possuem menos conexões. Tais disparidades também se manifestam pelo viés étnico-racial, geracional e de gênero.

Outro dado interessante desta pesquisa versa sobre os dispositivos mais usados para acessar à Internet e o tipo de atividade que as pessoas realizam com tais tecnologias. Segundo a TIC Domicílio 2017,
O número de usuários de Internet no Brasil chegou a 120,7 milhões, o que representa 67% da população com dez anos ou mais. Desses, quase a totalidade (96%) usou a Internet pelo telefone celular, sendo que 49% deles utilizaram a rede apenas por meio desse dispositivo. Pela primeira vez, a proporção daqueles que usaram a Internet exclusivamente em telefones celulares chegou ao mesmo patamar daqueles que a usaram tanto pelo computador quanto pelo celular (47%). 
Os usuários de Internet brasileiros seguiram utilizando a Internet principalmente para realizar atividades de comunicação, com o uso de serviços de mensagens (90%) e redes sociais (77%). [...] A produção e disseminação de conteúdos próprios na Internet, atividade realizada por 37% dos usuários de Internet, se confirmou como menos comum do que o compartilhamento de conteúdos produzidos por terceiros (73%).
Podemos constatar algumas destas informações em um gráfico - abaixo, devemos entender por “computador” ​ desktops, notebooks e tablets ​ , excluindo os celulares:

Fonte: Pesquisa TIC Domicílios 2017

Em síntese, no Brasil:
  • muitas pessoas não possuem qualquer acesso à Internet em seus domicílios, principalmente as pessoas mais pobres, da zona rural e de regiões menos ricas;
  • das que possuem acesso, temos um uso majoritariamente pelo celular, em detrimento aos ​ desktops, notebooks e tablets ;
  • por fim, os principais usos consistem em comunicar-se via redes sociais e compartilhar publicações de outras pessoas.
Neste momento e, com base nos dados apresentados, podemos nos perguntar: ​ existem oportunidades realmente equitativas no Brasil para que o acesso às tecnologias e Internet ocorra? ​ E, ainda mais importante: ​ a quem serve este modelo de inclusão digital baseado somente no uso restrito de algumas tecnologias de acesso à Internet, notadamente o celular, apenas para o consumo de informações?

Percebemos nas falas de certos atores sociais - por exemplo, empresários e entidades patronais - que saber mexer em certos aspectos destas tecnologias é fator de “empregabilidade”. Assim, recai sobre a classe trabalhadora uma pressão por buscar qualificação neste âmbito, que dê conta do domínio básico de ​ softwares como editores de texto, planilhas eletrônicas, habilidades de utilização da Internet, etc. Contudo, um uso ainda restrito das possibilidades destas tecnologias, focado mais no executar atividades padronizadas, mecânicas e que pouco exigem de criatividade e autoria do trabalhador. Isto quando a própria tecnologia em si não configura-se como fator direto de exclusão do mundo do trabalho, pela eliminação de postos via automatização.

Todavia, tais problemas verificam-se para além do mundo do trabalho: usos limitados das tecnologias e da Internet possibilitam a eclosão de fenômenos como as ​ fakes news - as famosas notícias falsas de que tanto ouvimos falar a partir de 2018. Ao restringir-se o acesso às tecnologias da Internet via celular, somente para compartilhar conteúdos produzidos por outros sujeitos/grupos em redes sociais como WhatsApp e Facebook, criou-se um contexto profícuo para o uso - ​ principalmente econômico e político - das ​ fake news. Assim, como falar que esta inclusão digital é sinônimo de inclusão social e cidadania, quando a própria democracia está em xeque, ao passo em que decisões políticas importantes são tomadas com base em notícias falsas?

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